Os povos da África, da América Latina e do Caribe foram colonizados pelas monarquias e governos europeus de forma cruel, desumana e selvagem. Muitos foram tratados como animais por corporações estrangeiras, que exploraram suas riquezas sem respeito aos direitos mínimos desses povos.
Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu na África vigorosos movimentos e despertar em busca de liberdade, por dois caminhos principais: a via pacífica, de negociação com as potências coloniais, e a luta armada, adotada por quem, ignorado e oprimido, só encontrava na força uma saída.
Hoje, quase todos os Estados são formalmente independentes, mas o colonialismo, por meio do neocolonialismo, continua a manter seu domínio sobre algumas regiões. Em muitos lugares, políticos – mesmo aqueles que se apresentam como democráticos e soberanos – mostram-se subservientes às antigas metrópoles, defendendo interesses coloniais e próprios acima das necessidades do povo.
Com aparência de legitimidade, recorrem a ditaduras, compra de consciências, monarquias absolutas e outras formas de opressão para perpetuar esse controle.
Ainda existem 17 territórios ao redor do mundo que lutam pelo direito à autodeterminação, entre os quais se destaca o Saara Ocidental, a última colônia da África.
No final da década de 1960, o intelectual Mohamed Sid Brahim Bassiri — considerado o pai do nacionalismo saaraui e defensor da luta pacífica — fundou o Movimento de Libertação do Saara (MLS), reunindo soldados, trabalhadores, mulheres, estudantes e diversos setores da sociedade para exigir, de forma pacífica, um referendo de autodeterminação em vez da anexação do território como província espanhola número 53.
Em 17 de junho de 1970, durante a manifestação de Zemla, civis e militantes saíram às ruas para repudiar o colonialismo espanhol e reivindicar as resoluções da ONU, em especial a 1514 (XV). A Legião Espanhola reprimiu o ato, resultando em muitas mortes, dezenas de feridos e presos, e no desaparecimento de Mohamed Bassiri — cujo paradeiro continua desconhecido 55 anos depois.
Essa operação horrível e equivocada e de violência extrema resultou na radicalização do pensamento saaraui e na busca por um novo caminho que obrigasse o colonialismo a ouvir e negociar. Surgiu então entre a juventude saaraui um líder intelectual de visão ampla: o dirigente El Uali Mustafa Sayed. Com suas ideias revolucionárias e seu exemplo extraordinário, guiou o povo em sua luta. Foi ele o autor intelectual e material da Revolução de 20 de maio de 1973 — marco inicial da resistência armada, cujo lema “com o fuzil conquistaremos a liberdade” uniu a população contra o colonialismo espanhol, depois contra os exércitos mauritano e marroquino. E, contra o invasor marroquino, a luta prossegue até hoje, certo de que este também será derrotado, assim como os anteriores.
El Uali também incutiu no povo saaraui uma visão clara de futuro com o anúncio da criação da República Árabe Saaraui Democrática (RASD) em 27 de fevereiro de 1976, um projeto irreversível, agora consolidado por suas vitórias, construção e reconhecimento internacional. Como Secretário-Geral do Frente Polisário e primeiro Presidente da RASD, ele liderou seus homens com coragem e deu o exemplo supremo ao cair em combate em 9 de junho de 1976, durante uma das batalhas mais importantes contra a capital mauritana.
Portanto, neste mês de junho o povo saaraui comemora dois aniversários cruciais em sua longa luta pela independência e autodeterminação: o combate ao colonialismo espanhol e a resistência à invasão marroquina. É um período em que centenas de mártires – homens e mulheres – são lembrados por darem as suas vidas pela dignidade saaraui. Junho inspira firmeza na busca pela liberdade, determinação, coragem e perseverança na luta. Os caminhos desses dois heróis conduzem à reflexão, ao esclarecimento de ideias e métodos para prosseguir rumo à vitória.
Aqui, recordo o significado das palavras frequentemente repetidas pelo sempre lembrado bispo católico brasileiro, Dom Pedro Casaldáliga: “Ai do povo que esquece os seus mártires!” y “Se não houver grandes causas, a vida não tem sentido”.
Lembrá-los e mantê-los em mente é cultivar a pátria e a liberdade nas gerações futuras, infundindo um novo espírito de luta e uma nova esperança. Os saarauis, assim como os brasileiros, recordam seus sacrifícios contra o colonialismo e as ditaduras; celebram este mês reanimados para continuar sua jornada até a vitória final.
*Ahmed Mulay Ali é diplomata saaraui, representante da Frente Polisario no Brasil.